sábado, 10 de maio de 2014

ÀS VÉSPERAS DA COPA AINDA NÃO SE SABE QUEM FARÁ A SEGURANÇA NOS ESTÁDIOS

Quem fará segurança na Copa?
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Juca Kfouri


Responsável por fiscalizar segurança privada no país, PF não havia recebido da Fifa nomes das empresas contratadas até dia 28 de abril; STF diz que, se houver problemas, responsabilidade civil é da União
“Segurança fica a cargo das autoridades do Estado. A Fifa não pode garantir segurança. Isso faz parte do compromisso do governo que organiza”, afirmou categoricamente Sepp Blatter, presidente da FIFA, em uma coletiva de imprensa em Hong Kong no final de abril.
Não é o que prevê o acordo para sediar a Copa (hosting agreement) nem a Lei Geral da Copa. De acordo com esses dispositivos, a segurança do interior e do entorno dos estádios – o chamado “perímetro de segurança” – estará a cargo de 20 mil agentes privados contratados diretamente pelo COL, o Comitê Organizador Local da Fifa.
Serão esses agentes privados, ou “stewards”– seguranças treinados e sem qualquer tipo de armamentos – que vão acionar as forças de segurança pública caso avaliem ser necessário. Eles também comandarão a segurança nas demais “instalações oficiais”, como os hotéis onde estarão as delegações, os Centros de Treinamento de Seleções, os Campos Oficiais de Treinamento e o Centro de Mídia. Nesses locais, “a força pública é usada apenas sob demanda”, nas palavras da assessoria de imprensa do COL.
Até o final de abril, porém, a Fifa não havia comunicado à Polícia Federal, que pela legislação brasileira tem a atribuição de fiscalizar as forças de segurança privada atuantes no país, nem quais foram as empresas contratadas. “O responsável pela contratação das empresas é a Fifa e até o momento não nos foi enviada uma relação das empresas contratadas para fornecer segurança no evento”, confirmou a Polícia Federal à Agência Pública no dia 28 de abril, em resposta a um pedido de Lei de Acesso à Informação. “O processo de seleção foi realizado pela Fifa sem participação do Departamento de Polícia Federal. Os contratos são firmados pela Fifa sem divulgação de duração e valores à Polícia Federal”.
Uma lacuna que preocupa os especialistas em segurança pública e que não parecer fazer sentido diante da afirmação do presidente da Fifa de que a responsabilidade pela segurança durante os jogos é do Estado brasileiro. “Não pode o responsável pela fiscalização, que é a PF, dizer que não tem nenhuma informação sobre quem vai fazer, até porque isso tem que estar interligado ao esquema maior de segurança, que afinal de contas é público”, diz a analista de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo. “Não faz sentido ter essa separação. O que não está muito clara é essa relação com a segurança privada”. A resposta ao pedido de acesso à informação ilustra bem a falta de normas claras. Perguntada sobre protocolos que regerão o emprego das forças privadas nos estádios, a PF declarou: “O protocolo de atuação da segurança privada consiste na prevenção de ocorrência de ilícitos, com acionamento da Força Pública em caso de sua ocorrência”.
Uma carta na manga
O Planejamento Estratégico de Segurança para a Copa do Mundo do Ministério da Justiça, determina apenas que “no que se refere às medidas de segurança nos locais de interesse, a FIFA, através da Gerência Geral de Segurança do Comitê Organizador da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, terá responsabilidade pelas ações de segurança privada nos perímetros privados dos locais de interesses”. E acrescenta: “Se, por qualquer motivo, a segurança no interior de um estádio ou outro local sob a responsabilidade da FIFA não for garantida por esta entidade, as autoridades públicas de segurança assumirão e avocarão a responsabilidade e o controle dessas áreas”.
Mas, apesar de utilizar essa prerrogativa na hora de contratar as forças de segurança privada, a Fifa não terá nenhum tipo de ônus em caso de problemas, daí a declaração de Blatter. Desde 2007, durante os acordos para o Brasil sediar a Copa do Mundo, a Fifa tem em seu poder uma carta de garantias assinada pelo então ministro da justiça Tarso Genro, que afirma: “Nós aceitamos completa responsabilidade legal por quaisquer incidentes de segurança e/ou acidentes em conexão com a Competição, e indenizamos, defendemos e isentamos a Fifa e todas as subsidiárias da Fifa de toda a responsabilidade legal, obrigações, perdas, prejuízos, ações, demandas, recuperações, deficiências, custos ou despesas (incluindo honorários de advogados) que as partes possam sofrer ou incorrer em conexão com, resultantes de ou a partir de quaisquer incidentes de segurança e/ou acidentes em conexão com as Competições”.
A promessa virou lei com a Lei Geral da Copa, promulgada 5 anos depois. No artigo 23 a União assumiu legalmente responsabilização civil perante a Fifa por todos os danos decorrentes de acidentes de segurança relacionados ao evento – exceto se a Fifa tiver motivado os danos. Isso significa que, se houver qualquer processo contra o evento motivado por questões de segurança na Copa, quem paga os custos é o Brasil.
O artigo 23 foi referendado esta semana pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar uma ação de inconstitucionalidade movida pela Procuradoria-Geral da República. A votação foi quase unânim: 10 votos a favor e um único contrário, do presidente do STF, Joaquim Barbosa. Na declaração de voto, muitos ministros louvaram as vantagens econômicas do Brasil sediar a Copa. Um deles foi o relator, ministro Ricardo Lewandowski, para quem o compromisso de sediar a Copa foi assumido “livre e soberanamente” pelo Brasil quando se candidatou e entre as promessas figurava “a responsabilidade por eventuais danos decorrentes do evento”. Já o ministro Teori Zavascki incluiu até a previsão das fontes de pagamento de eventuais prejuízos legais: dinheiro do Tesouro Nacional.
Nó jurídico
“A possibilidade de segurança privada nos estádios surgiu com a Copa do Mundo”, explica André Zanetic, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP que estuda o setor privado. Segundo ele, com as exigências da Fifa abriu-se uma nova frente de negócios, as empresas de “stewards” – e, com eles, um tremendo nó jurídico e muitos desafios em termos de fiscalização. “Virou a atividade principal a ser apoiada quando o Brasil acabou sendo escolhido para ter Copa do Mundo e a Fifa ficou responsável em fazer a segurança dos estádios. Mas isso só faz sentido se você tiver uma articulação consistente com as forças públicas”.
O emprego dos “stewards” foi regulamentado por uma portaria da Polícia Federal de dezembro de 2012, que estabelece como critério central para esse novo tipo de trabalho a necessidade de tais agentes realizarem um curso com carga horária de 50 horas, ou 5 dias, em escolas aprovadas pela PF. Foi a primeira vez que apareceu na legislação brasileira a figura do “vigilante em extensão em segurança para grandes eventos” – esses são definidos como “aqueles realizados em estádios, ginásios ou outros eventos com público superior a três mil pessoas”.
Publicada às pressas, seis meses antes da Copa das Confederações, a portaria deu um “jeitinho” para que os seguranças privados da Fifa pudessem atuar nos estádios. Inicialmente, o Ministério da Justiça pretendia aprovar o Estatuto da Segurança Privada – a lei atual é de 1983 – que deve regulamentar as cerca de 2 mil empresas e 700 mil vigilantes em atuação no país – número maior que o das polícias federal, civil e militar de todos os Estados juntos. O tema, no entanto, é tão espinhoso que o texto ficou meses parado na Casa Civil e o governo ainda não apresentou o texto do projeto de Lei ao Congresso.
“Já faz muito tempo que está se tentando fazer uma nova regulamentação ao setor. Tinha se chegado à conclusão de que não iam conseguir fechar antes, e isso [a regulamentação dos “stewards”] precisava avançar sem passar por toda a discussão do legislativo”, explica André Zanetic. “Mas de certa forma corre-se o risco de ser um arranjo insuficiente para dar conta dos problemas da organização da segurança na Copa”. Ele lembra o episódio da partida entre Atlético-PR e Vasco da Gama em dezembro do ano passado no estádio Arena Joinville, quando uma briga na arquibancada deixou quatro feridos e resultou em troca de acusações entre a Polícia Militar e o Atlético, que tinha contratado 60 seguranças para o evento. “Hoje a gente começou a fazer segurança privada nos estádios de futebol de uma forma mal ajambrada que começa a dar esses resultados. O que aconteceu em Santa Catarina pode acontecer de novo”, alerta o especialista.

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